Referentes divergentes: II. - Imaginário infantil tapista
VERSUS...
- Na televisão dos 80's, era religiosa a meia-hora diária do esgazeado Vasco Granja. A oposição ao Estado Novo e a ligação ao Partido Comunista valeram-lhe duas prisões pela PIDE, por exaltação cineclubística e por fazer reverter a favor dos movimentos de resistência o dinheiro que cobrava pela exibição de filmes neo-realistas. Em 1974 inaugurou na RTP o programa "Cinema de Animação", que duraria 16 anos. Já é mítica a sua obsessão pelos frias animações de Leste, sinal da revolução progressista que ensinava a rejeição do capitalismo imperialista, reaccionário, fascizóide e, sobretudo, fascizante! Mas o camarada Vasco mostrou-nos, acima de tudo, a pluralidade da arte - passou os maiores génios de animação do mundo e passou a alguns miúdos o inconformismo e o entusiasmo que o caracterizavam. E é precisamente por isso que hoje todos nos lembramos dele com saudade.
- Aprender a ler é importante. Pratica-se com o que vem à rede e apanham-se livros dos irmãos mais velhos. Dá-se de caras com Sherlock Holmes, um homem solitário e misterioso, que me deixou um gostinho precoce pelo nevoeiro, pela flanela, pelo chá, pelo ópio e pela obscuridade (e por Londres!).
Mas...
- Antes do Vasco ou do Sherlock, desde tenra idade, já outra figura deixava a sua marca, o mais absurdo antípoda de todos os heróis. A influência que exerceu sobre mim é tão grande que não a consigo medir (é, no entanto, muito óbvia, dizem alguns... e não só por gostar de andar despenteada ou de camisolas às riscas!)
A subversão e o carisma do meu querido palmípede não são muito evidentes. Tudo se resume à inadequação constante ao que os outros esperam dele, a uma placidez resistente a tudo, à alienação e ingenuidade extremas e a uma certa abstracção mental, aliadas a uma devoção total aos seus focos de interesse.
Apesar de consideravelmente bem sucedido enquanto repórter, tenta constantemente perseguir novas carreiras, hobbies e estilos de vida, baseados nos livros que lê. Desastrado e pueril, tudo o que faz resulta invariavelmente em caos e desastre para todos os que o rodeiam. A sua "peculiar" visão do mundo desassossega a família e os amigos, que se esforçam para manter a sanidade. Vai-se tornando também cada vez mais preguiçoso. A sua amizade é intensa e genuína, e forma com o primo uma dupla muito equilibrada, sendo o primo o racional e ele o desregrado (a primeira história em que entrou, de 1964, chamava-se "O Primo Dinamite").
Como qualquer personagem desequilibrada, tem um alter-ego, o Morcego Vermelho. Originalmente, só o primo conhecia esta identidade secreta. Mais tarde revelou-se também ao construtor dos seus apetrechos-morcego, que frequentemente não funcionam, como o pula-pula morcego, o bate-morcego e a moto-morcego. A namorada chama-se Glória e, como qualquer namorada de uma personagem desequilibrada, também tem uma personalidade alternativa, heroína nas horas vagas, a Borboleta Púrpura. É frequente encontrarem-se brevemente na mesma história mas, desconhecendo a identidade real um do outro, separam-se sempre com apartes impacientes, por acharem o outro demasiado intrometido ou simplesmente idiota. Estas identidades secretas, além de dolorosos retratos da conjugalidade, não eram propriamente super-heróicas, senão reivindicadoras, algumas vezes de formas descaradamente ilegais.
O pai chamava-se Eider e a mãe Lulubelle Loon, tem um irmão chamado Abner e um sobrinho chamado Dugan.
Ele chama-se Fethry, mas para mim sempre foi o Peninha!, o meu ídolo
do desmazelo doméstico:
da incompetência profissional:
da alteridade esquizofrénica:
da descrença familiar:
da alienação inalienável:
Eu já vou!: dou a minha palavra.
- Na televisão dos 80's, era religiosa a meia-hora diária do esgazeado Vasco Granja. A oposição ao Estado Novo e a ligação ao Partido Comunista valeram-lhe duas prisões pela PIDE, por exaltação cineclubística e por fazer reverter a favor dos movimentos de resistência o dinheiro que cobrava pela exibição de filmes neo-realistas. Em 1974 inaugurou na RTP o programa "Cinema de Animação", que duraria 16 anos. Já é mítica a sua obsessão pelos frias animações de Leste, sinal da revolução progressista que ensinava a rejeição do capitalismo imperialista, reaccionário, fascizóide e, sobretudo, fascizante! Mas o camarada Vasco mostrou-nos, acima de tudo, a pluralidade da arte - passou os maiores génios de animação do mundo e passou a alguns miúdos o inconformismo e o entusiasmo que o caracterizavam. E é precisamente por isso que hoje todos nos lembramos dele com saudade.
- Aprender a ler é importante. Pratica-se com o que vem à rede e apanham-se livros dos irmãos mais velhos. Dá-se de caras com Sherlock Holmes, um homem solitário e misterioso, que me deixou um gostinho precoce pelo nevoeiro, pela flanela, pelo chá, pelo ópio e pela obscuridade (e por Londres!).
Mas...
- Antes do Vasco ou do Sherlock, desde tenra idade, já outra figura deixava a sua marca, o mais absurdo antípoda de todos os heróis. A influência que exerceu sobre mim é tão grande que não a consigo medir (é, no entanto, muito óbvia, dizem alguns... e não só por gostar de andar despenteada ou de camisolas às riscas!)
A subversão e o carisma do meu querido palmípede não são muito evidentes. Tudo se resume à inadequação constante ao que os outros esperam dele, a uma placidez resistente a tudo, à alienação e ingenuidade extremas e a uma certa abstracção mental, aliadas a uma devoção total aos seus focos de interesse.
Apesar de consideravelmente bem sucedido enquanto repórter, tenta constantemente perseguir novas carreiras, hobbies e estilos de vida, baseados nos livros que lê. Desastrado e pueril, tudo o que faz resulta invariavelmente em caos e desastre para todos os que o rodeiam. A sua "peculiar" visão do mundo desassossega a família e os amigos, que se esforçam para manter a sanidade. Vai-se tornando também cada vez mais preguiçoso. A sua amizade é intensa e genuína, e forma com o primo uma dupla muito equilibrada, sendo o primo o racional e ele o desregrado (a primeira história em que entrou, de 1964, chamava-se "O Primo Dinamite").
Como qualquer personagem desequilibrada, tem um alter-ego, o Morcego Vermelho. Originalmente, só o primo conhecia esta identidade secreta. Mais tarde revelou-se também ao construtor dos seus apetrechos-morcego, que frequentemente não funcionam, como o pula-pula morcego, o bate-morcego e a moto-morcego. A namorada chama-se Glória e, como qualquer namorada de uma personagem desequilibrada, também tem uma personalidade alternativa, heroína nas horas vagas, a Borboleta Púrpura. É frequente encontrarem-se brevemente na mesma história mas, desconhecendo a identidade real um do outro, separam-se sempre com apartes impacientes, por acharem o outro demasiado intrometido ou simplesmente idiota. Estas identidades secretas, além de dolorosos retratos da conjugalidade, não eram propriamente super-heróicas, senão reivindicadoras, algumas vezes de formas descaradamente ilegais.
O pai chamava-se Eider e a mãe Lulubelle Loon, tem um irmão chamado Abner e um sobrinho chamado Dugan.
Ele chama-se Fethry, mas para mim sempre foi o Peninha!, o meu ídolo
do desmazelo doméstico:
da incompetência profissional:
da alteridade esquizofrénica:
da descrença familiar:
da alienação inalienável:
Eu já vou!: dou a minha palavra.
Etiquetas: referentes divergentes
1 no pratinho:
Uma entrevista com o Vasco Granja, para quem estiver interessado: http://www.amordeperdicao.pt/especiais_solo.asp?artigoid=119
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